O dia em que o zagueirão só não tava comendo a própria esposa

Outubro de 2021. Após um longo período de isolamento social, o então governador do estado de São Paulo anunciou, com as devidas restrições, a autorização do retorno do público aos estádios de futebol em todo o estado. Além das competições nacionais que estavam em disputa, duas outras competições estaduais ainda aconteciam em São Paulo.

Ao passo que a Segunda Divisão, a popular Bezinha, que na época era a quarta divisão do Campeonato Paulista, se encaminhava para as quartas-de-final e pôde contar com estádios liberados imediatamente após o decreto, a Copa Paulista, que ainda vivia a sua fase de grupos, precisou esperar por cerca de 20 dias até reabrir os portões para o público. Isto porque, naquele ano, a Copa Paulista tinha grupos com diferentes quantidades de equipes, e como a classificação de alguns clubes era feita por índice técnico, era notório que a liberação imediata do público beneficiaria uns, que jogariam mais vezes com torcida, em detrimento de outros, que jogariam menos vezes com o público presente.

Por essa razão, o público da Copa Paulista só voltou aos estádios a partir das quartas-de-final, e o São Caetano, já envolto na crise que resultaria nos sucessivos rebaixamentos da equipe nos anos posteriores, era o pior dentre todos os classificados. Com a desconfiança da torcida e visando atrair presentes, numa fase em que muitos ainda questionavam se era realmente seguro voltar a um ambiente como um estádio de futebol, o Azulão liberou gratuitamente os ingressos para o jogo contra o XV de Piracicaba.

A partida foi um jogo que reuniu algumas novidades para o torcedor. A primeira delas, o cantor MC Livinho, à época contratado para atuar como atacante do Azulão. A segunda era o chamado VAR Light, um VAR com apenas duas câmeras e, portanto, mais barato, que seria testado pela Federação Paulista de Futebol. Na prática, era um VAR que demorava mais e naquela ocasião era operado pelo árbitro Luiz Flávio de Oliveira. Gritos e brincadeiras referentes a ambos os pontos podiam ser ouvidos no meio da torcida.

Mas alguns torcedores, mais empolgados, não demoraram a perceber que um dos zagueiros do XV de Piracicaba era bastante conhecido, principalmente por sua passagem pelo Palmeiras. E acharam que ele estava, digamos, levemente acima do peso. No segundo tempo, momento em que o zagueiro estava mais próximo aos referidos torcedores, o grupo começou a gritar coisas do tipo:

“Tá gordo, hein, zagueirão?”

“Vamos fazer um regime?”

“Tá comendo bem, hein?”

Em dado momento, um jogador caiu em campo, e com o jogo paralisado, o zagueiro, tendo ouvido as provocações, muito bem-humorado, olhou na direção dos torcedores, passou a mão na barriga, e fez um joia com a mão.

Aí então eu imagino o que se passou pela cabeça do torcedor: “olha só, ele me respondeu, já tenho intimidade com ele”. Ouve-se então um grito:

“Aí zagueirão, só não tá comendo a sua esposa, hein?”

A gargalhada toma conta do estádio. E o atleta, tendo escutado o grito de dentro do campo, parece não acreditar, faz um sinal como quem diz “como assim?” para o torcedor, mas também ri e leva na esportiva. Poucas vezes em um estádio vi uma cena assim tão engraçada.

Esportivamente falando, o jogo terminou empatado em 1×1, e na partida de volta, em Piracicaba, com o estádio cheio, na medida do possível, o São Caetano buscou um empate heroico nos acréscimos, levou o jogo para os pênaltis e se classificou. Foi uma pena que o companheiro de zaga do nosso zagueiro na ocasião, após o pênalti que determinou a eliminação de sua equipe, se incomodou com a comemoração do último cobrador do Azulão, dizendo que ele havia comemorado perto da torcida do XV (vale lembrar que era torcida única na ocasião), pegou a camisa que o atleta do São Caetano havia tirado na comemoração e a rasgou, pisando em cima, num claro desrespeito ao rival, fato que acabou ficando marcado como a principal história destas quartas-de-final.

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