Histórias de gandula

Na Copinha de 2025 muita coisa ficou pendente de compreensão para os torcedores. A péssima ideia e pior ainda comunicação sobre os ingressos por reconhecimento facial não deixava claro se quem tinha ingresso apenas para o primeiro jogo poderia ficar para o segundo (muitos reservaram para os dois, e a duplicidade de ingressos acabou deixando os estádios vazios com muitas pessoas fora querendo assistir aos jogos).

Em Santo André, na segunda rodada do grupo sediado no Bruno José Daniel, um senhor de meia idade estava em dúvida se seria possível ele permanecer para o jogo do Corinthians, mesmo tendo ingresso apenas para o jogo do Santo André. Uns diziam que sim, poderia, uma vez que na primeira rodada esse foi o procedimento; outros diziam que ouviram alguém dizendo que após o primeiro jogo a polícia iria “varrer” todo o estádio. Acabou que foi permitido ficar sim (pelo menos isso, né federação?)

Fato é que esse senhor se juntou com alguns outros senhores, e eles começaram a conversar ao meu lado. E o senhor revelou que trabalhou muitos anos como gandula no Santo André, e ele contou algumas histórias interessantíssimas.

Primeiro ele disse que, sendo são-paulino, foi com uma camisa do São Paulo em uma partida entre as duas equipes, mantendo-a debaixo de seu uniforme de trabalho. Trabalhando bem na frente do setor visitante, ele disse que a torcida começou a xingá-lo, então ele mostrou a camisa do São Paulo e a torcida mudou de lado, gritando: “aha, uhu, o gandula é nosso.”

Em uma situação similar a essa, ele diz que fez a festa da torcida proferindo diversos xingamentos na direção do assistente. Este, em vez que expulsá-lo, olhou pra ele e disse: “olha que bando de trouxa, paga pra ficar vendo você me xingar”, se referindo aos torcedores.

Outra saia justa que ele passou foi quando um treinador do Santo André prometeu que daria um calção para os gandulas se eles trabalhassem “direito” no jogo. Ao final da partida, tendo recolhido as bolas de jogo e as bandeirinhas de escanteio, foram até o vestiário cobrar os tais calções, e acabaram com dois jogos de suspensão.

Ele também falou sobre a estrutura do estádio Bruno José Daniel, que tendo sido remodelado várias vezes, acabou sendo deixado sem cobertura devido a um acidente envolvendo a torcida do Corinthians, que certa vez subiu na cobertura para assistir o jogo, pois não havia mais ingressos, e a cobertura acabou cedendo. Nessa conversa, ele disse que os vestiários antigos do Brunão — que ainda existem, segundo ele — foram construídos abaixo do nível do campo, o que fazia com que toda a água escoada das arquibancadas e do gramado em dias de chuva fosse parar dentro deles. Nessa ocasião, ele citou uma partida entre Santo André x Rio Preto (não citou o ano nem a competição, e não encontrei registros que confirmem o que foi dito na internet) que precisou ser adiada para uma segunda-feira devido ao alagamento dos vestiários. Segundo ele, na ocasião, as equipes perderam todo o material de trabalho, como bolas e uniformes, que foram embora com a água.

Ainda falando do tal vestiário, ele citou o ano em que o Palmeiras foi campeão paulista no estádio (1994). Na ocasião, os torcedores do Palmeiras invadiram o campo, e o César Sampaio, assustado, saiu correndo para o primeiro buraco que apareceu em sua frente, indo parar no vestiário do mandante. Chegando lá, perguntou ao gandula: “onde eu estou?” “Você está no vestiário do Santo André, o do Palmeiras fica do outro lado.” “Mas se eu for lá em cima agora a torcida vai me deixar pelado, não tem como eu ir por aqui?” E foi assim que ele conduziu o jogador do Palmeiras ao vestiário correto.

Foi ouvindo essas histórias, no dia 7 de janeiro de 2025, que eu completei minha primeira década em relação ao primeiro jogo que vi no estádio. Não parei pra pensar que os jogadores da primeira Copinha que vi já estavam batendo nos 30 anos, mas é uma realidade que não precisa ser pensada. É melhor ouvir histórias, porque no fim, tudo vira história.

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